sábado, julho 22, 2006

Formação da Barra Velha

Verdadeiros precursores da técnica das guerrilhas, os então chamados "Aymoré" eram capazes de surgir repentinamente nas povoações pilhando e devastando suas moradias e plantações, desaparecendo com a mesma rapidez de volta para as matas interiores, onde sua mobilidade e dispersão, além de prevenir uma propagação rápida das epidemias mortíferas, desencorajava plenamente as tentativas de reação dos colonos.

Posteriormente a região passa a ser percorrida com regularidade por prepostos governamentais e, principalmente, por pesquisadores estrangeiros, cujos relatos, notadamente o do príncipe alemão de Wied-Neuwied (1817), nos permitem hoje um bom conhecimento etnológico daqueles povos indígenas, em sua maior parte ainda autônomos, e, fornecem uma boa idéia da sua distribuição territorial.

Nas vizinhanças do litoral, os Botocudos — localmente auto-designados Gren — limitavam-se ao sul e mantinham disputas com os Pataxó à altura do rio de Santa Cruz — João de Tiba — e tinham ao longo do Jequitinhonha suas principais concentrações.

Limitavam-se ao norte, na altura do Rio Pardo, com outros bandos pataxós e, mais para o interior, com kamakãs. Estes últimos, contudo, mantinham, já desde o século anterior, uma povoação na foz do Jequitinhonha, junto à vila de Belmonte, onde eram conhecidos por Meniã. Os Botocudos, mais uma vez, em diversos bandos e sob diversas denominações, voltavam a dominar as proximidades da costa ao sul do rio de São Mateus — Cricaré —, mantendo concentração ao longo do rio Doce e estabelecendo contato pelo interior com os bandos ao norte, na área do Jequitinhonha. Esta porção mais interior, correspondente ao atual nordeste do estado de Minas Gerais, era compartida por Botocudos e etnias outras — que não mencionarei aqui — que são, em sua maioria, identificáveis lingüisticamente às famílias Maxakalí ou Kamakã.

A faixa correspondente, "grosso modo", ao atual Extremo Sul baiano era, pois, dominada pelos Pataxó, e, também, por grupos Maxakalí. Estes Pataxó e Maxakalí parecem ter compartilhado o mesmo território, entre o João de Tiba e o São Mateus, e é também referido que constituíam alianças temporárias para debelar investidas dos Botocudos.

Os Pataxó mantinham maiores concentrações na área mais próxima à costa, enquanto que os Maxakalí teriam seu pólo de dispersão nas cercanias da Serra dos Aimorés — atual divisa entre Bahia e Minas Gerais —, disposição que, de resto, conservam ambos no presente.

A conquista desses povos indígenas do sul da Bahia é uma longa história de mais de cem anos que só atingiria seu ápice nas décadas iniciais do século XX, quando as roupas infectadas por lepra e varíola que plantadores de cacau da região entre o Contas e o Pardo espalharam pela mata deram cabo dos últimos bandos ainda isolados e vivendo de modo autônomo.

No que diz respeito ao Extremo Sul, porém, tudo indica que, já em meados do século XIX, a maioria da população indígena sobrevivente vivia junto às vilas coloniais costeiras — de Santa Cruz Cabrália a Porto Alegre, atual Mucuri —, para onde fora trazida na tentativa de submetê-la ao trabalho a serviço dos regionais.

Em 1861, contudo, preocupado com os constantes conflitos entre estes e os índios e, provavelmente, também com a possibilidade legal dos últimos reivindicarem as terras que ocupavam, o Presidente da Província da Bahia determinou a concentração compulsória de toda a população indígena da região numa única aldeia, a ser estabelecida no ponto médio daquela costa, junto à embocadura do rio Corumbau. Esta é, seguramente, a origem da atual aldeia de Barra Velha (Carvalho, 1977), anteriormente também conhecida pela denominação de Bom Jardim.

Texto extraído de Breve história da presença indígena no extremo sul